sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

POEMA DO NATAL



PARA ISSO fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Para enterrar os nossos mortos —
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos —
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito o que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez de amor
Uma prece por quem se vai —
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte —
De repente nunca mais esperaremos...
Hoje a noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente.

Vinícius de Moraes
em O Operário em Construção e Outros Poemas

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

PELOS BAIRROS ESQUECIDOS



Pelos bairros esquecidos,
tantos passos,
tantos risos,
tantos sonhos perdidos!

Helena Kolody,
in Ontem Agora

FRAGMENTO LITERÁRIO



Naqueles anos, o Natal conservava ainda um certo ar
de magia e de mistério. O pó de luz do Inverno,
o olhar e a esperança de pessoas que viviam rodeadas
de sombras e de silêncios conferiam àquele panorama
um leve perfume a verdade, no qual, pelo menos as 
crianças e aqueles que haviam aprendido a esquecer,
 ainda poderiam acreditar.

Carlos Ruiz Zafón 
em O Prisioneiro do Céu

CITAÇÃO



"O mundo noturno é um mundo. 
A noite, um universo."

Victor Hugo

domingo, 16 de dezembro de 2012

O LIVRO FECHADO



Quebrada a vara, fechei o livro
e não será por incúria ou descuido
que algumas páginas se reabram
e os mesmos fantasmas me visitem.
Fechei o livro, Senhor, fechei-o,

mas os mortos e a sua memória,
os vivos e sua presença podem mais
que o álcool de todos os esquecimentos.
Abjurado, recusei-o e cumpro,
na gangrena do corpo que me coube,

em lugar que lhe não compete,
o dia a dia de um destino tolerado.
Na raça de estranhos em que mudei,
é entre estranhos da mesma raça
que, dissimulado e obediente, o sofro.

Aventureiro, ou não, servidor apenas
de qualquer missão remota ao sol poente,
em amanuense me tornei do horizonte
severo e restrito que me não pertence,
lavrador vergado sobre solo alheio

onde não cai, nem vinga, desmobilizada,
a sombra elíptica do guerreiro.
Fechei o livro, calei todas as vozes,
contas de longe cobradas em nada.
Fale, somente, o silêncio que lhes sucede.

Rui Knopfli,
in "O Corpo de Atena"

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O RETRATO FIEL




Não creias nos meus retratos,
nenhum deles me revela,
ai, não me julgues assim!

Minha cara verdadeira
fugiu às penas do corpo,
ficou isenta da vida.

Toda minha faceirice
e minha vaidade toda
estão na sonora face;

naquela que não foi vista
e que paira, levitando,
em meio a um mundo de cegos.

Os meus retratos são vários
e neles não terás nunca
o meu rosto de poesia.

Não olhes os meus retratos,
nem me suponhas em mim.

Gilka Machado

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

MACHADO DE ASSIS


[...]Passam os séculos, os homens, as repúblicas,
as paixões; a história faz-se dia por dia,
folha a folha; as obras humanas alteram-se,
corrompem-se, modificam-se, transformam-se.
Toda a superfície civilizada da terra é um
vasto renascer de coisas e idéias.”

Machado de Assis
Excerto de 'O Alienista" 

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

AMANHÃ FICO TRISTE...



“Amanhã fico triste...Amanhã!
Hoje não... Hoje fico alegre!
E todos os dias, por mais amargos que sejam.
Eu digo: amanhã fico triste, hoje não...”


Poema encontrado na parede de um dos dormitórios
de crianças do campo de extermínio nazista de Auschwitz

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

MINIATURA




Pois eu gosto de crianças!
Já fui criança, também...
Não me lembro de o ter sido;
Mas só ver reproduzido
O que fui, sabe-me bem.

É como se de repente
A minha imagem mudasse
No cristal duma nascente,
E tudo o que sou voltasse
À pureza da semente.

Miguel Torga
In: Antologia Poética

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

OSCAR WILDE



Não tenhas medo do passado. Se as pessoas te disserem
que ele é irrevogável, não acredites nelas. O passado,
o presente e o futuro não são mais do que um momento
na perspectiva de Deus, a perspectiva na qual deveríamos
tentar viver. O tempo e o espaço, a sucessão e a extensão,
são meras condições acidentais do pensamento.
A imaginação pode transcendê-las, e mais, numa esfera livre
de existências ideais. Também as coisas são na sua essência
aquilo em que decidimos torná-las. Uma coisa é segundo
o modo como olhamos para ela.

Oscar Wilde,
in 'De Profundis'