segunda-feira, 30 de setembro de 2013

MILAN KUNDERA



Sentir-se em casa é se sentir
entre os seus.

Milan  Kundera,
in A Valsa doa Adeuses

MILAN KUNDERA



E eu passo meu tempo sonhando com um universo
em que o homem não viria ao mundo entre estranhos
mas entre irmãos.

Milan Kundera,
in A Valsa dos Adeuses

MANOEL DE BARROS



"Tem Gente que Nasce Poesia."

Manoel de Barros

“ACEITAÇÃO”



Cansei de usar
força
e recursos,
na tentativa inútil
de alterar
as coisas,
fora de seu tempo.
Manipulei minha ansiedade
e fui buscar
consolo
no regaço do tempo.

Adélia Maria Woellner


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

PATRIMÔNIO



Pesam nos meus ossos
Os meus pensamentos,
Choram nos meus olhos
As visões neles nascidas,
Soluçam no torpor das minhas carnes
Ancestrais desalentos.

Sangram nos meus pés
Na inútil andança
Da imaginação liberta,
Pulveriza o meu espírito
A solidão do suicida ignorado
E cresce assustadoramente dentro de mim
A calmaria que precede o fim.

Adalgisa Nery
In Erosão (1973)

terça-feira, 24 de setembro de 2013

TRÊS PENSAMENTOS IRMANADOS



A MODÉSTIA é de todas as virtudes a mais simples e meiga.

A BONDADE ... esta virtude etérea, que nasce do
âmago do coração,floresce e vive.

O SOFRIMENTO é próprio das almas 
puras.

Olympiades G. Corrêa
de Neblina do Tempo -1.996





domingo, 22 de setembro de 2013

PRIMAVERA



Despertam docemente as brisas. 
Sopram serenas, noite e dia, 
por toda a parte a sussurrar. 
Aroma tenro, nova melodia. 
Agora, pobre coração, reanima-te: 
Agora tudo, tudo mudará. 

Faz-se o mundo mais belo cada dia. 
Se o momento presente é tão feliz 
o amanhã que surpresas não trará! 
Floresce ao longe o vale mais sombrio. 
Agora, pobre coração, esquece a mágoa 
Agora, tudo, tudo mudará. 


Ludwig Uhland
 Trad.: Henriqueta Lisboa) 




sábado, 21 de setembro de 2013

CITAÇÃO



"Procuro que a minha vida vá tendo a musicalidade duma constante 
pergunta e nunca o monolitismo paralisante duma conclusão.
Estou absolutamente certo de que nem eu nem ninguém anda com a
verdade no bolso, mas estou certo também de que dela
irremediavelmente nos aproximamos pelas coisas que descobrimos
e pelas resistências que vencemos."

António Alçada Baptista

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

HAICAI



Entre a paz do branco
o riso da margarida.
Ouro reluzindo.


Delores Pires
Pétalas de Ipê

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

JOSÉ LUIS PEIXOTO



"Quando vires os teus olhos a verem-te, quando não souberes
se tu és tu ou se o teu reflexo no espelho és tu, quando 
não conseguires distinguir-te de ti, olha para o fundo dessa
pessoa que és e imagina o que aconteceria se todos soubessem
aquilo que só tu sabes sobre ti."

José Luis Peixoto




domingo, 15 de setembro de 2013

CORDA ROÍDA



Flutua o horizonte
sobre o tempo
e as ilusões partidas.
O olhar apascenta nuvens,
montanhas e distâncias
e uma corda roída
tenta amarrar lembranças

Roseana Murray,
in Poemas para ler na escola

sábado, 14 de setembro de 2013

OS CAVALOS DE FOGO




A luz dissolve as pedras. E os cavalos
de fogo se projetam contra o vento.
Lá se vão eles, potros de ar sangrento,
por entre os sóis que intentam sufocá-los.

Lá se vão eles, potros de ar cinzento,
como se a própria luz incendiária
lhes desse uma aparência imaginária
de cor, de som, de céu em movimento.

E então o céu me envolve. Eis que me arrasta
o seu raro esplendor, o trepidante
fremir de intenso azul. No alto me espera

uma forma incorpórea, a visão casta
do que fascina e queda agonizante...
— Campo do amor chamando a primavera.

Alphonsus de Guimaraens Filho

quarta-feira, 11 de setembro de 2013

RECEITA DE CASA



Uma casa deve ter varandas
para sonhar,cantos para chorar,
quartos para os segredos
e a ambivalência.

Um amor precisa espaço de voar,
liberdade para querer ficar,
alegria, e algum desassossego
contra o tédio.

Não se esqueçam os danos a cobrir,
o medo de partir, e o dom de surpreender
- que é a sua essência.

Lya Luft
In Para Não Dizer Adeus

ÚLTIMA CANÇÃO



Deus,
eu faço parte do teu gado:
esse que confinas em sonho e paixão
e às vezes em terrível liberdade.
Sou, como todos, marcada neste flanco
pelo susto da beleza, pelo terror da perda
e pela funda chaga dessa arte
em que pretendo segurar o mundo.
No fundo,
Deus,
eu faço parte da manada
que corre para o impossível,
vasto povo desencontrado
a quem tanges, ignoras
ou contornas
com teu olhar absorto.
Deus,
eu faço parte do teu gado
estranhamente humano,
marcado para correr amar morrer
querendo colo, explicação, perdão
e permanência.

Lya Luft
In Secreta mirada e outros poemas

terça-feira, 10 de setembro de 2013

EXCERTO



" Não vejo melhor projeto de vida  do que escolher o lado
do sol , em vez de acompanhar a procissão de queixosos .
Querer  ser  o  cuidador ( sem vitimização )
e não o perseguidor , não humilhar o parceiro  ou ironizar
o filho  que não vai esquecer isso  nunca mais .
A vida é uma longa construção :  em geral a  enxergamos
como deterioração .
Não conseguimos apreciar o outro lado , que é acúmulo ,
experiência , serenidade , mínima sabedoria  , mais tempo ,
quem sabe  mais bondade .
Construção de emoções positivas , com porões  de tristezas
e um sótão  de decepções , mas  a sala e os quartos arejados,
com portas que podemos  abrir  para que se revele o que
ainda virá em seguida e vai se desdobrar . 
Isso é o que  a gente decide  ".
 
Lya Luft 
in , " Múltipla Escolha "
 


segunda-feira, 9 de setembro de 2013

NUNCA MAIS




Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.

Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa —
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.

E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência.

Sophia de Mello Breyner Andresen
Obra Poética I

DESTINO



Acordo com os pássaros cativos,
Com a ária da vida nos ouvidos,
acordo sem amarras nos sentidos,
Fiéis à sempiterna liberdade...
Nada pôde vencer a lealdade
que juraram à deusa aventureira.
Nem as grades do sono, nem a severidade
Da noite carcereira.

Acordo e recomeço
O canto interrompido:
O desvairado canto
Da ira irrequieta...
- O canto que o poeta
Se obrigou a cantar
Antes de ter nascido,
Antes de a sua angústia começar.

Miguel Torga

domingo, 8 de setembro de 2013

QUADRA MELANCÓLICA



Nas casas antigas onde a morte se instala,
abrem-se janelas, o sol pode entrar;
e as sombras sentadas nos sofás da sala
esfregam os olhos para não chorar.

Nuno Júdice 
in Poesia Reunida, 1967-2000





quinta-feira, 5 de setembro de 2013

VIRAÇÃO



Voa um par de andorinhas, fazendo verão.
E vem uma vontade de rasgar velhas cartas,
velhos poemas, velhas contas recebidas.
Vontade de mudar de camisa,
por fora e por dentro... vontade...
Para quê esse pudor de certas palavras?...
Vontade de amar, simplesmente.

Mario Quintana , 
in Sapato Florido

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

CAIO FERNANDO ABREU



..."E decidiu: vou viajar.
Porque não morri,
porque é verão,
porque é tarde demais
e eu quero ver, rever,
transver, milver tudo que não vi
e ainda mais do que já vi,
como um danado, quero ver feito Pessoa,
que também morreu sem encontrar.
Maldito e solitário, decidiu ousado:
vou viajar.

(excerto)
Caio Fernando Abreu







terça-feira, 3 de setembro de 2013

JOGO DA VERDADE



A verdade é um labirinto.

Se digo a verdade inteira,
se digo tudo o que penso,
se digo com todas as letras,
com todos os pingos nos is,
seria um deus-nos-acuda,
entraria um sudoeste
pela janela da sala.
Então eu digo
a verdade possível,
e o resto guardo
a sete chaves
no meu cofre de silêncios.

Roseana Murray
in Pêra, Uva ou Maçã?

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

CLARICE LISPECTOR



"Um domingo de tarde sozinha em casa
dobrei-me em dois para a frente
- como em dores de parto -
e vi que a menina em mim estava morrendo.
Nunca esquecerei esse domingo.
Para cicatrizar levou dias.
E eis-me aqui. Dura, silenciosa e heróica.
Sem menina dentro de mim."
.
Clarice Lispector
(trecho de "A Descoberta do Mundo") 

domingo, 1 de setembro de 2013

À MESA



Faca oxidada contra a polpa verde,
é roxo o amor.
De amoras, não.
De dor.

Adélia Prado
In Oráculo de maio