segunda-feira, 13 de junho de 2011

CANÇÃO OCULTA




CANÇÃO OCULTA

A onda de mar e céu, redonda,
durou nos ares um sorriso.
Nenhum poder claro ou inviso
deteve no ar a débil onda.

Um esvair-se em vácuo e treva
do vôo da ave itercadente.
Música silenciosamente
mergulhada, que o tempo leva.

O sonho côncavo buscando-se
no aço do espelho convexo,
que ria incólume, sem sexo,
sem uma imagem, mas brilhando.

O gesto de nuvens e de águas,
a aragem, a palavra, a rosa,
a intraduzível, soluçosa
sombra de vento sobre as águas.


Abgar Renault
In: Obra Poética

SOLIDÃO


SOLIDÃO

O rio se entristece sob a ponte.
Substância de homem na torrente escura
flui, enternecimento ou desventura,
misturada ao crepúsculo bifronte.

Antes que débil lume além desponte,
a sombra, que se apressa, desfigura
e apaga o casario em sua alvura
e a curva esquiva e sábia do horizonte.

Os bois fecham nos olhos os arados,
o pasto, a hora que tomba das subidas.
Dorme o ocaso, pastor, entre as ovelhas.

Sobem névoas dos vales fatigados
e das árvores já enoitecidas
pendem silêncios como folhas velhas.

29.12.51


Abgar Renault
In: Obra Poética