domingo, 29 de março de 2015

CURITIBA




Atrás do lençol de nuvens
Curitiba
meu exercício de sonhos.


Edival Perrini
in armazém de ecos e achados


sábado, 28 de março de 2015

POEMA DA ÁRVORE





As árvores crescem sós. E a sós florescem.

Começam por ser nada. Pouco a pouco
se levantam do chão, se alteiam palmo a palmo.

Crescendo deitam ramos, e os ramos outros ramos,
e deles nascem folhas, e as folhas multiplicam-se.

Depois, por entre as folhas, vão-se esboçando as flores,
e então crescem as flores, e as flores produzem frutos,
e os frutos dão sementes,
e as sementes preparam novas árvores.

E tudo sempre a sós, a sós consigo mesmas.
Sem verem, sem ouvirem, sem falarem.
Sós.
De dia e de noite.
Sempre sós.

Os animais são outra coisa.
Contactam-se, penetram-se, trespassam-se,
fazem amor e ódio, e vão à vida
como se nada fosse.

As árvores, não.
Solitárias, as árvores,
exauram terra e sol silenciosamente.
Não pensam, não suspiram, não se queixam.
Estendem os braços como se implorassem;
com o vento soltam ais como se suspirassem;
e gemem, mas a queixa não é sua.

Sós, sempre sós.
Nas planícies, nos montes, nas florestas,
A crescer e a florir sem consciência.

Virtude vegetal viver a sós
E entretanto dar flores.


António Gedeão
in: Obra Poética,



ARAUCÁRIA





Nasci forte e altiva,
Solitária.
Ascendo em linha reta
- Uma coluna verde-escura
No verde cambiante da campina.
Estendo braços hirtos e serenos

Não há na minha fronte
Nem veludos quentes de folhas
Nem risos vermelhos de flores,
Nem vinhos estoantes de perfumes.
Só há o odor agreste da resina
E o sabor primitivo dos frutos.

Espalmo a taça verde no infinito.
Embalo o sono dos ninhos
Ocultos em meus espinhos,
Na silente nudez do meu isolamento



Helena Kolody











sexta-feira, 27 de março de 2015

CANTIGA OUTONAL




Outono. As árvores pensando ...
Tristezas mórbidas no mar ...
O vento passa, brando ... brando ...
E sinto medo, susto, quando
Escuto o vento assim passar ...

Outono. Eu tenho a alma coberta
De folhas mortas, em que o luar
Chora, alta noite, na deserta
Quietude triste da hora incerta
Que cai do tempo, devagar ...

Outono. E quando o vento agita,
Agita os galhos negros, no ar,
Minha alma sofre e põe-se aflita,
Na inconsolável, na infinita
Pena de ter de se esfolhar ...



Cecília Meireles
In Nunca Mais e Poema dos Poemas

domingo, 22 de março de 2015

VOO




Alheias e nossas as palavras voam. 
Bando de borboletas multicores, as palavras voam 
Bando azul de andorinhas, bando de gaivotas brancas, 
as palavras voam.
Viam as palavras como águias imensas.
Como escuros morcegos como negros abutres, as palavras voam.
Oh! alto e baixo em círculos e retas acima de nós, em redor de nós as
palavras voam.
E às vezes pousam.

Cecília Meireles ,
in Melhores Poemas








II






Não sejas o de hoje. 
Não suspires por ontens… 
não queiras ser o de amanhã. 
Faze-te sem limites no tempo. 
Vê a tua vida em todas as origens. 
Em todas as existências. 
Em todas as mortes. 
E sabes que serás assim para sempre. 
Não queiras marcar a tua passagem. 
Ela prossegue: 
É a passagem que se continua. 
É a tua eternidade. 
És tu”

Cecília Meireles
in Cânticos


XIII





Renova-te.
Renasce em ti mesmo.
Multiplica os teus olhos, para verem mais.
Multiplica os teus braços para semeares tudo.
Destrói os olho que tiverem visto.
Cria outros, para as visões novas.
Destrói os braços que tiverem semeado,
Para se esquecerem de colher.
Sê sempre o mesmo.
Sempre outro.
Mas sempre alto.
Sempre longe.
E dentro de tudo.

Cecília Meireles
in Cânticos


HOJE DESAPREENDO O QUE TINHA APRENDIDO ATÉ ONTEM





Hoje desapreendo o que tinha aprendido até ontem
e que amanhã recomeçarei a aprender.
Todos os dias desfaleço-me em cinza efêmera
todos os dias,reconstruo minhas edificações, em sonho eternas.

Esta frágil escola que somos, levanto-a com paciência
dos alicerces às torres,sabendo que é trabalho sem termo.

E do alto avisto os que folgam e assaltam, donos
do riso e pedras.

Cada um de nós tem sua verdade, pela qual deve morrer.

De um lugar que não se alcança, e que é , no entanto claro,
minha verdade, sem troca,sem equivalência nem desengano.

Permanece constante, obrigatória, livre:
enquanto aprendo, desaprendo e torno a reaprender.


Cecília Meireles
In O Estudante Empírico



REALIZAÇÃO DA VIDA




Não me peças que cante,
pois ando longe,
pois ando agora
muito esquecida.

Vou mirando no bosque
o arroio claro
e a provisória
flor escondida.

E procuro minha alma
e o corpo, mesmo,
e a voz outrora
em mim sentida.

E me vejo somente
pequena sombra
sem tempo e nome,
nisto perdida,

- nisto que se buscara
pelas estrelas,
com febre e lágrimas,
e que era vida.

Cecília Meireles
In:"Mar Absoluto & Outros Poemas


EU SOU ESSA PESSOA A QUEM O VENTO CHAMA





Eu sou essa pessoa a quem o vento chama,
a que não se recusa a esse final convite,
em máquinas de adeus, sem tentação de volta.

Todo horizonte é um vasto sopro de incerteza:
Eu sou essa pessoa a quem o vento leva:
já de horizontes libertada, mas sozinha.

Se a Beleza sonhada é maior que a vivente,
dizei-me: não quereis ou não sabeis ser sonho ?
Eu sou essa pessoa a quem o vento rasga.

Pelos mundos do vento em meus cílios guardadas
vão as medidas que separam os abraços.
Eu sou essa pessoa a quem o vento ensina:

- Agora és livre, se ainda recordas

Cecília Meireles,
in 'Solombra'

ROMANTISMO




Seremos ainda românticos
- e entraremos na densa mata,
em busca de flores de prata,
de aéreos, invisíveis cânticos.

Nas pedras, à sombra, sentados,
respiraremos a frescura
dos verdes reinos encantados
das lianas e da fonte pura.

E tão românticos seremos
de tão magoado romantismo,
que as folhas dos galhos supremos
que se desprenderem no abismo

pousarão na nossa memória
- secas borboletas caídas -
e choraremos sua história,
- resumo de todas as vidas.


Cecília Meireles
in: Mar Absoluto-1945



XXIII




Não faças de ti
Um sonho a realizar.
Vai.
Sem caminho marcado.
Tu és o de todos os caminhos.
Sê apenas uma presença.
Invisível presença silenciosa.
Todas as coisas esperam a luz,
Sem dizerem que a esperam.
Sem saberem que existe.
Todas as coisas esperarão por ti,
Sem te falarem.
Sem lhes falares.


Cecília Meireles
in Cânticos

POR BAIXO DOS ARVOREDOS




Por baixo dos largos fícus
plantados à beira-mar;
em redor dos bancos frios
onde se deita o luar,
vão passando os varredores
calados, a vassourar.

Diríeis que andam sonhando,
se assim os vísseis passar,
por seu calmo rosto branco,
sua boca sem falar,
- e por varrerem as flores
murchas, de verem amar.

E por varrerem os nomes
desenhados par a par,
no vão desejo dos homens,
na areia vã, de pisar...
- por varrerem os amores
que houve naquele lugar.

Visto de baixo, o arvoredo
é renda verde de luar,
desmanchada ao vento crespo
que à noite regressa ao mar.

Vão passando os varredores;
vão passando e vão varrendo
a terra, a lembrança, o tempo.

E, de momento em momento,
varrem seu próprio passar...


Cecília Meireles
in Mar absoluto


SONHEI UM SONHO





Sonhei um sonho
e lembrei-me do sonho
e esqueci-me do sonho
e sonhei que procurava
em sonho aquele sonho
e pergunto se a vida
não é um sonho que procurava um sonho.


1959
Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Sonhos (1950-1963)

EPIGRAMA N° 3





Mutilados jardins e primaveras abolidas
abriram seus miraculosos ramos
no cristal em que pousa a minha mão.

(Prodigioso perfume!)

Recompuseram-se tempos, formas, cores, vidas ...

Ah! mundo vegetal, nós, humanos, choramos
só da incerteza da ressurreição.


Cecília Meireles
Viagem, 1938



'CANÇÃO DE OUTONO'





Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.

De que serviu tecer flores
pelas areias do chão,
se havia gente dormindo
sobre o própro coração?

E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando áqueles
que não se levantarão...

Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
Certa de que tudo é vão.

Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...


Cecília Meireles
In: Poesia Completa
Dispersos (1918-1964)



REBELDIA



 
Para não repetir
o modelo
que me apresentaram,
escrevi roteiro contrário.
Fixação insana,
não ser igual.
Desperdício e cansaço.
 
Acordei.
Soltei balaios
de rebeldias e sofrimentos.
 
Moldes vazios,
insinuo passos que são só meus
e jeito próprio de andar,
para escrever
outro enredo,
nova história...


Adélia Maria Woellner,
in Tempo de Escolhas
 


ITAOCA




Serenamente pousada 
Sobre a montanha elevada 
Como um ninho de poesia, 
A casa branca e pequena 
É como a mansão serena 
Da luz, da paz, da alegria!

Ó viajante fatigado 
Se no teu passo cansado 
Aqui vieres pousar, 
Tu voltarás satisfeito 
Com risos claros no peito 
E calmas santas no olhar! 



VINÍCIUS DE MORAES 
In Poesia completa e prosa, 1998 

CITAÇÃO



"Há mais aqui do que os olhos vêem."

Lady Murasaki

quinta-feira, 19 de março de 2015

GUILHERME ANTUNES



"Quis vestir o teu Amor como os jardins
vestem as folhas no outono, 
e amanheci poesia." 

Guilherme Antunes 

terça-feira, 17 de março de 2015

BERTRAND RUSSEL




"O mundo é cheio de coisas mágicas
 pacientemente esperando que nossa
 percepção fique mais aguçada."

  Bertrand Russel

sexta-feira, 13 de março de 2015

GIRASSOL...




Girassol quando abre flor, geralmente despenca.
 O talo é frágil demais para a própria flor,
 compreende? Como se não suportasse a beleza que
 ele mesmo engendrou.

— CAIO FERNANDO ABREU


segunda-feira, 9 de março de 2015

CITAÇÃO




“Somos sempre um Poema mesmo quando nos
Julgamos uma Frase sem Sentido…”

Tristão de Andrade
 (Coimbra, 1979)


domingo, 8 de março de 2015

HÁ UM TEMPO...



"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas,
 que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos
 caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.
 É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la,
 teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos."


Fernando Teixeira de Andrade,
in “Tempo de Travessia”


terça-feira, 3 de março de 2015

NAS CLARAS TARDES DE VERÃO...




Nas claras tardes de verão
em que as arvores tem uma nitidez de desenho à pena
há um silêncio de expectativa
como se uma pedra tivesse parado no ar
ou uma fonte deixasse de correr,
nas claras tardes de verão.

..................................
Apenas as rosas vermelhas
continuam sendo
umas simples rosas vermelhas

Isabel Meyrelles
In ‘Palavras Noturnas e Outros Poemas’


Ó SINO DA MINHA ALDEIA




Ó sino da minha aldeia,
Dolente na tarde calma,
Cada tua badalada
Soa dentro da minha alma.

E é tão lento o teu soar,
Tão como triste da vida,
Que já a primeira pancada
Tem o som de repetida.

Por mais que me tanjas perto,
Quando passo, sempre errante,
És para mim como um sonho,
Soas-me na alma distante.

A cada pancada tua,
Vibrante no céu aberto,
Sinto mais longe o passado,
Sinto a saudade mais perto.


Fernando Pessoa,
in Cancioneiro

domingo, 1 de março de 2015

CITAÇÃO




Mas um dia ainda hei de ir,
sem me importar para onde o ir me levará.


Clarice Lispector,
 in A Descoberta do Mundo