segunda-feira, 31 de março de 2014

MANTRA



Não fiz planos para futuro. Nem por
isso a vida me surpreendeu em
cima do muro. Calei diante do lago
onde palavras são cisnes. Sorri na
esperança de um pássaro azul.
Cometi plenitudes…Agora a noite
já é quase um salto. O Sol queima
aos poucos o hálito do horizonte

E a vastidão é um átomo.

Lau Siqueira
in Texto Sentido

CITAÇÃO



«Compreender um poema não é chegar a um
 pseudo-significado, mas coincidir com seu modo de existir.»

Maurice Blanchot

domingo, 30 de março de 2014

SOMOS SEMPRE UM POEMA



“Somos sempre um Poema mesmo quando nos
Julgamos uma Frase sem Sentido…”

Tristão de Andrade

 (Coimbra, 1979)


sábado, 29 de março de 2014

DIA-A-DIA




Os dias são sempre depois dos dias
E, entre eles, as noites, os sonhos, o acordar!
E a esperança!
E o acreditar que amanhã também vai ser dia!
E a vida ...

...que não pare em qualquer beco
Sem saída!

A vida,
Os dias,
As noites,
Os sonhos ...


Joaquim do Carmo,
 in "Amanhecer pelo fim da tarde"

sexta-feira, 28 de março de 2014

ERGUER A CABEÇA ACIMA DO REBANHO



Erguer a cabeça acima do rebanho
é um risco
que alguns insolentes correm.

Mais fácil e costumeiro
seria olhar para as gramíneas
como a habitudinária manada.

Mas alguns erguem a cabeça
olham em torno
e percebem de onde vem o lobo.

O rebanho depende de um olhar.


Affonso Romano de Sant'Anna
In Sísifo desce a montanha





quinta-feira, 27 de março de 2014

ESTAÇÕES



" Estão em  mim   as  estações
como se fossem uma só
as quatro sempre estão em mim
são quatro faixas de um abismo
da  aurora até o ocaso
a chuva  o  verde  o sol   o  vento
sem  me desvelar  estão  em  mim
são  a missão recém-nascida
e  são  os  mortos do meu mundo
minhas  ocultas  estações
me  fazem feliz / sofrem por mim
cada  uma delas tem um céu
e  cada  céu  é  um  espelho
que  fala de todos  e de mim
as  estações  se  congregam
se  reconhecem  e se abraçam
as quatro sempre  estão em mim
sou  seu fervor  suas folhas  mortas
seu  granizo  suas colheitas
sua  porta  aberta  seus  cadeados
sua  insolação  seus  aguaceiros
como  um  destino  estão  em mim
as  estações  se  embaralham
para  se  mesclar   com   minha  vida
para  se  juntar  com  minha  morte
e então  fugir  de  mim ."


Mario Benedetti
in , " Correio  do  tempo "




















domingo, 9 de março de 2014

CITAÇÃO


“Todos os livros do mundo cheios de pensamentos e poesias
não são nada se comparados a uns minutos de soluços,
onde a sensação boia em torrentes, a alma se sente e se
encontra profundamente em si mesma. As lágrimas são
o gelo da alma em fusão. Todos os anjos estão perto
daquele que chora.”

Hermann Hesse
em “Sequência De Um Sonho"











sábado, 8 de março de 2014

TODAS AS VIDAS



Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço...
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho,
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
– Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos.
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha...
tão desprezada,
tão murmurada...
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida –
a vida mera das obscuras.



Cora Coralina ,
in Poemas dos Becos de Goiás
e Estórias mais,
 


PERDÃO


Aqui me tens, meu Deus, em confissão.
Não roubei. Não matei. Não caluniei.
Mas nem sempre segui a tua lei,
nem sempre fui a irmã do meu irmão.

Não recusei aos outros o meu pão.
Amor, algumas vezes, recusei.
Mas, por tudo o que dei e o que não dei,
eu te peço, meu Deus, o teu perdão.

Perdão para os meus erros conscientes
e para os meus pecados inocentes,
para o mal que já fiz e ainda fizer. .

Perdão para esta culpa original,
para este longo e complicado mal:
o crime, sem perdão, de ser mulher.


Fernanda de Castro














COM LICENÇA POÉTICA



Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

- Adélia Prado,
em "Bagagem"

sexta-feira, 7 de março de 2014

RELÓGIO




Meia hora antes
da hora meia seguinte
recue o ponteiro
outro tanto.
Retenha então a
hora certa,
a verdadeira,
e observe:

Para o instante
de agora faltará
aquele exato,
mesmo tanto,
e igual parte
até a hora
daqui meia hora.

Isso feito
e aprovado,
saberá que
em tempo
e verso,
todo relógio
é perverso.

Antonio Fernando De Franceschi
In: Tarde Revelada Poemas




ACHAR A PORTA..




Achar
a porta que esqueceram de fechar.
O beco com saída.
A porta sem chave.
A vida.

Paulo Leminski,
in Toda Poesia

quinta-feira, 6 de março de 2014

PRINCÍPIO DA NOITE



Eu ia em mim perdido, em mim pensando.
A existência deserta.
A rua escura.

Eu sentia a tristeza dos felizes
Vendo a estrela da tarde rir sozinha...

Em que altura ela estava!
O resto era imenso.

Tudo é exílio.



Dante Milano,
in Melhores Poemas

quarta-feira, 5 de março de 2014

CARNAVAL



E foi-se o Carnaval. E só ficou,
de tudo, uma lembrança dolorida
que resta desse amor que se acabou
numa alegria que redime a vida.


Da loucura da febre que passou,
a alma se sente só e consumida;
na solidão que o sonho lhe deixou
a saudade ainda vive, malsofrida.


E, tristemente, o coração recorda,
na angústia de uma louca nostalgia,
esse sonho fugaz que ele sonhou.


Carnaval de um amor que, na alma, acorda
a esperança de uma última alegria,
entre as cinzas de tudo que passou.



 Afonso Louzada,
Em: Noturno



terça-feira, 4 de março de 2014

POR TODOS OS CAMINHOS DO MUNDO



A minha poesia é assim como uma vida que vagueia
pelo mundo,

por todos os caminhos do mundo,
desencontrados como os ponteiros de um relógio velho,
que ora tem um mar de espuma, calmo, como o luar
num jardim nocturno,

ora um deserto que o simum veio modificar,
ora a miragem de se estar perto do oásis,
ora os pés cansados, sem forças para além.

Que ninguém me peça esse andar certo de quem sabe
o rumo e a hora de o atingir,
a tranquilidade de quem tem na mão o profetizado
de que a tempestade não lhe abalará o palácio,
a doçura de quem nada tem a regatear,
o clamor dos que nasceram com o sangue a crepitar.

Na minha vida nem sempre a bússola se atrai ao mesmo
norte.
Que ninguém me peça nada. Nada.
Deixai-me com o meu dia que nem sempre é dia,
com a minha noite que nem sempre é noite
como a alma quer.

Não sei caminhos de cor. 



Fernando Namora,
in 'Mar de Sargaços'

domingo, 2 de março de 2014

OS SILÊNCIOS



Não é possível amizade quando
dois silêncios não se combinam.

Mario Quintana ,
in Porta Giratória - 1988

UM CAMINHO DE PALAVRAS



Tudo o que sei, já lá está, mas não estão os meus
passos nem os meus braços. Por isso caminho,
caminho, porque há um intervalo entre tudo e
eu, e nesse intervalo caminho e descubro o meu caminho.

Mas entre mim e os meus passos há um intervalo
também: então invento os meus passos e o meu próprio
caminho. E com as palavras de vento e de pedras,
invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.

Caminho um caminho de palavras
(porque me deram o sol)
e por esse caminho me ligo ao sol
e pelo sol me ligo a mim

E porque a noite não tem limites
alargo o dia e faço-me dia
e faço-me sol porque o sol existe

Mas a noite existe
e a palavra sabe-o.

António Ramos Rosa,
in "Sobre o Rosto da Terra"




sábado, 1 de março de 2014

CONTRANARCISO




em mim
eu vejo o outro
e outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios de gente
centenas

o outro
que há em mim
é você
você
e você

assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos a sós 



Paulo Leminski,
in Toda Poesia