quarta-feira, 30 de julho de 2014

SILÊNCIO AMOROSO - 2




Preciso do teu silêncio
cúmplice
sobre minhas falhas.
Não fale.
Um sopro, a menor vogal
pode me desamparar.
E se eu abrir a boca
minha alma vai rachar.

O silêncio, aprendo,
pode construir. É um modo
denso/tenso
- de coexistir.
Calar, às vezes,
é fina forma de amar.

Affonso Romano de Sant'Anna
in Intervalo amoroso e outros poemas escolhidos

terça-feira, 29 de julho de 2014

CILADA VERBAL


Há vários modos de matar um homem:
com o tiro, a fome, a espada
ou com a palavra
- envenenada.

Não é preciso força.
Basta que a boca solte
a frase engatilhada 
e o outro morre
- na sintaxe da emboscada.


Affonso Romano de Sant'Anna,
In Epitáfio para o Século XX

segunda-feira, 28 de julho de 2014

AS RECORDAÇÕES OLHAM PARA MIM



Uma manhã de junho, quando ainda é cedo para acordar
mas demasiado tarde para voltar a pegar no sono.

Embrenho-me pelo arvoredo repleto de recordações
e elas seguem-me com os seus olhares.

Autênticos camaleões, elas não se mostram,
diluem-se literalmente no cenário.

E embora o gorgeio dos pássaros seja ensurdecedor,
estão tão perto de mim que ouço como respiram.


Tomas Tranströmer,
 50 Poemas; tradução de Alexandre Pastor;


sábado, 26 de julho de 2014

“BATISMO”



Mergulhei num mar de sonho
E me fiz azul.

Batizei-me...

Adélia Maria Woellner,
in Sons do Silêncio

sexta-feira, 25 de julho de 2014

TECELÃ




Costurei palavras,
retalhos colhidos
no baú dos devaneios.

Fiz, do manto-poema,
agasalho
das esperanças.

Adélia Maria Woellner

quinta-feira, 24 de julho de 2014

EXCERTO LITERÁRIO


( ...)

" Compreendi , então , que a vida não é uma sonata
que , para realizar a sua beleza , tem de
ser tocada até o fim .
Dei-me conta , ao contrário , de que a vida é
um álbum de minissonatas .
Cada momento de beleza vivido e amado , 
por efêmero que seja , é uma experiência completa 
que está destinada à eternidade . 
Um único momento de beleza e amor 
justifica a vida inteira ." 

Rubem Alves ,
in " Concerto para corpo e alma "


CIRCUITO




Os olhos que mergulham no poema
completam o circuito da poesia.

Helena Kolody,
in Infinito Presente, 1980)

POETA



O poeta nasce no poema,
inventa-se em palavras.

Helena Kolody,
in Infinito Presente, 1980)


quarta-feira, 23 de julho de 2014

EXCERTO LITERÁRIO




"...o que convence não é a "letra" do que
falamos - é a "música" que se ouve nos
interstícios de nossa fala. A razão só entende
a letra. Mas a alma só ouve a música.
O segredo da comunicação é a poesia .
Porque POESIA é precisamente isto:
o uso das palavras para produzir:
MÚSICA"...

Rubem Alves, em As Cores do
Crepúsculo

CITAÇÃO



"A vida é uma vela que se consome
ILUMINANDO"...

Rubem Alves, em
As cores do Crepúsculo


terça-feira, 22 de julho de 2014

IPÊS FLORIDOS

(foto by Washington Takeuchi )

Festa das lanternas!
Os ipês estão luzindo
De globos cor-de-ouro.


Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’


sexta-feira, 18 de julho de 2014

SOLILÓQUIO 8




Os seres amados multiplicaram-se
e cobriram-me a vida como estrelas num céu próximo.

E vivi deslumbrado
longamente.

Mas tinha cada um o seu destino,
tinha cada um o seu caminho diferente.

Os seres amados dispersaram-se,
perderam-se nas distâncias enormes.
E eu fiquei triste e pobre,
sentindo vagamente
na minha solidão
sua profunda pulsação longínqua.

Tasso Da Silveira
In: Poemas De Antes

quarta-feira, 16 de julho de 2014

PELOS BAIRROS ESQUECIDOS



Pelos bairros esquecidos,
tantos passos,
tantos risos,
tantos sonhos perdidos!

Helena Kolody,
 in Ontem Agora, 1991

terça-feira, 15 de julho de 2014

O TEMPO É COMO UM BARCO A VELA...



"O tempo é como um barco a vela.
No dia que o vento sopra pela popa, o tempo anda depressa.
Mas quando o tempo navega contra o vento, então as horas
parecem semanas e os meses, anos."

Érico Veríssimo,
em 'O tempo e o vento"

segunda-feira, 14 de julho de 2014

GESTOS



Há gestos de dizer
e gestos de calar,
de pedir, de sofrer,
de ferir, de salvar.

Gestos densos e fechados como esferas,
gestos leves, radiantes como a luz.
Ondas que nascem, morrem e renascem
ao influxo poderoso das marés.

Helena Kolody 

SALDO



Na pagina adolescente
deste mundo em flor,
sou um saldo anterior.

Helena Kolody
in Poesia Mínima


NOTURNO URBANO



O cansaço anoitece
nas solidões aglomeradas.

Noite alta,
velam janelas,
semáforos insones.

Nem um trilar de grilo
estremece a teia do tédio


Helena Kolody
in Poesia Mínima

sábado, 12 de julho de 2014

FOI-SE A COPA?



Foi-se a Copa? Não faz mal. 
Adeus chutes e sistemas. 
A gente pode, afinal, 
cuidar de nossos problemas.

Faltou inflação de pontos? 
Perdura a inflação de fato. 
Deixaremos de ser tontos 
se chutarmos no alvo exato.

O povo, noutro torneio, 
havendo tenacidade, 
ganhará, rijo, e de cheio, 
A Copa da Liberdade.



Carlos Drummond de Andrade,
in Jornal do Brasil 
de 24 de Junho de 1978


AZUL



Tropeçou no sol da manhã
e mergulhou no azul do outono.

Helena Kolody
in Viagem no Espelho 

IDENTIFICAÇÃO



Usando as mesmas palavras
Precisas e limitadas,
Os homens raro se entendem.

As almas se identificam
Nas graves coisas profundas,
Inominadas.


Helena Kolody
In: Poemas do Amor Impossível


COMO OS ANOS



aquelas gotas de chuva
nas folhas
pesam, pesam...

e se tornam leves
quando não são mais tempo

e

caem


Fernando Campanella


sexta-feira, 11 de julho de 2014

VIAGEM



Era um pássaro triste.
Andorinha exaurida,
A viajar para longe.
Em suas asas tremia
Um prenúncio de morte.

A árvore acenou da distância
Um fraterno chamado.

Repousou a andorinha
E sonhou longamente,
Acordada.
E foi, aquele sonho, a vida.


Helena Kolody
In Luz Infinita

LOUCURA LÚCIDA



Pairo, de súbito,
noutra dimensão.

Alucina-me a poesia,
loucura lúcida.


Helena Kolody
in Sinfonia da Vida

SONHAR



Sonhar é transportar-nos em asas de ouro e aço
Aos páramos azuis da luz e da harmonia;
É ambicionar o céu; é dominar o espaço,
Num vôo poderoso e audaz da fantasia.

Fugir ao mundo vil, tão vil que, sem cansaço,
Engana, e menospreza, e zomba, e calunia;
Encastelar-se, enfim, no deslumbrante paço,
De um sonho puro e bom, de paz e de alegria.

É ver no lago um mar, nas nuvens um castelo,
Na luz de um pirilampo um sol pequeno e belo;
É alçar, constantemente, o olhar ao céu profundo.

Sonhar é ter ideal na inglória lida:
Tão grande que não cabe inteiro nesta vida,
Tão puro que não vive em plagas deste mundo.


Helena Kolody
in Sinfonia da Vida




quinta-feira, 10 de julho de 2014

PEDIDO



Enche de silêncio a minha taça.
Unge-me de esquecimento.

Helena Kolody
in Viagem no Espelho

IDEAL



O vento aviva a labareda forte.
A chama vacilante, um sopro extingue.

Helena Kolody
in Correnteza

quarta-feira, 9 de julho de 2014

LIÇÃO



A luz da lamparina dançava
frente ao ícone da Santíssima Trindade.

Paciente, a avó ensinava
a prostrar-se em reverência,
a persignar-se com três dedos
e a rezar em língua eslava.

De mãos postas, a menina
fielmente repetia
palavras que ela ignorava,
mas Deus entendia.


Helena Kolody
in Sinfonia da Vida

REFLEXOS




Teus olhos são limpos como o véu varrido pela 
tempestade,
Desertos como a terra depois do dilúvio,
Profundos como os abismos abertos pelos
cataclismos.

É que passou por eles a Vida.

Helena Kolody
in Correnteza

INICIAÇÃO




Do beiral,
o pombo novo
perscruta o horizonte.

A liberdade assusta
seu dom recente de alar-se.


Helena Kolody
in Correnteza

terça-feira, 8 de julho de 2014

segunda-feira, 7 de julho de 2014

PINGO DE CHUVA



O que penso,
o que digo,
o que sou ...
Pingo de chuva no mar.

Helena Kolody
in Correnteza


POEMA



Se queres o vôo desliga-te de tudo,
De tudo que é excrescência,
Desfaz o véu que te embacia a face,
Descalça os pés e sente a pura terra.
Desfaz-te da palavra que já vem mentida,
Do teu instinto de defesa
E dá a mão à nuvem que caminha por ti.
Se queres encontrar o teu canto
Deixa-te guiar pelas coisas ressoantes,
Se queres encontrar o que perdeste,
Se queres descobrir o que consola
E por que clamam os teus sonos tristes
Encolhe-te no silêncio.
Tudo a que aspiras são cadeias
Que te prendem ao pensamento consternado
Que o tempo reduz superado
Antes do primeiro desejo sepultado.

Adalgisa Nery
In Erosão (1973)

quinta-feira, 3 de julho de 2014

MÁSCARAS



No perpétuo carnaval
deste mundo desvairado,
usam disfarces
fingem-se outros.

Adivinha quem é quem,
no baile de máscaras.

Helena Kolody
in Correnteza

NOMES




Nomes com cheiro de mato:
corticeira,
guajuvira,
aroeira,
manacá.


Helena Kolody
in ‘Sinfonia da Vida’

POESIA



Soam passos apressados,
Surgem rostos pensativos,
Passam ombros encurvados
E passam olhos altivos.

Sonha a rosa sobre o muro.


Helena Kolody
In ‘Luz Infinita‘

JOGO



A morte espreita, em silêncio,
O vivo jogo dos homens
No tabuleiro do tempo.

Estende, às vezes, de repente,
A longa mão feita de sombra
E tira um peão do Tabuleiro.


Helena Kolody
in ‘Luz Infinita’

COSMO



Na catedral constelada,
sobem leves nebulosas,
do turíbulo da noite.

Ondas incansáveis
de espaço-tempo
se quebraram, em silêncio, aos pés de Deus.


Helena Kolody
in ‘Luz Infinita’

ELEGIA N.º 2



Cheiro de flor ao sol. Setembro.

Alada flor,
atingida em pleno vôo,
tombou no asfalto.

O vento fareja suas penas macias,
e só ergue-lhe as asas,
a querer ressuscitar seu vôo
ágil e sereno.

Algo belo e frágil
a ser preservado
evolou-se.
E falta.


Helena Kolody
in ‘Luz Infinita’

AUSÊNCIA



No burburinho do mundo,
Gritam por mim: - Onde estás?
A voz diz logo: - Eis-me aqui!
Por trás da voz não há ninguém.

Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’

SAGA



No fluir secreto da vida,
atravessei os milênios.

Vim dos vikings navegantes,
cujas naus aventureiras
traçaram rotas nos mapas.
Ousados conquistadores
fundaram Kiev antiga,
plantando um marco na história
de meus ancestrais.

Vim da Ucrânia valorosa,
que foi Russ e foi Rutênia.
Povo indomável, não cala 
a sua voz sem algemas.

Vim das levas imigrantes
que trouxeram na equipagem
a coragem e a esperança.

Em sua luta sofrida,
correu no rosto cansado,
com o suor do trabalho,
o quieto pranto saudoso.

Vim de meu berço selvagem,
lar singelo à beira d’água,
no sertão paranaense.
Milhares de passarinhos
me acordavam nas primeiras
madrugadas da existência.

Feliz menina descalça,
vim das cantigas de roda,
dos jogos de amarelinha,
do tempo do “era uma vez ...”

Por fim ancorei para sempre
em teu coração planaltino,
Curitiba, meu amor!

Helena Kolody
in ‘Sinfonia da vida’

FIO D’ÁGUA



Não quero ser o grande rio caudaloso
Que figura nos mapas.

Quero ser o cristalino fio d’água
Que canta e murmura na mata silenciosa.


Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’

DESTINO




Ai!
Ser como as densas florestas escuras
Que tecem filigranas vegetais
E em segredo se adornam para a festa da luz.

Ser como as densas florestas sombrias,
Que um raio de sol jamais penetrou.


Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’

ALEGRIAS




As alegrias passam por mim
Qual um sonoro bando de aves brancas
Por sobre o espelho do mar.

A superfície vibra de inquietas imagens.
Mas, a profundidade é sempre a mesma,
Sempre a mesma,
E é eternamente a mesma direção das vagas.


Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’

CRIANÇA



Trazes ainda uma luz transcendente no olhar
E o vestígio das mãos divinas em teu ser.

Não falas porque Deus está tão próximo
Que Sua presença impede-te falar.

Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’




A VOZ DAS RAÍZES



Vozes de estranho som se alteiam em meu canto.
Vibram-se dentro d’alma almas que não são minhas.

Atrás de mim, vozeia e tumultua,
Anseia e chora, e ri, arqueja e estua
A imensa multidão dos ancestrais,

Que me bate e rebate, inexorável,
Como o oceano em ressaca açoita o cais.

Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’

O DOM DA ALEGRIA




Talvez, a cruz dos outros pese mais que a tua...

Torna mais leve o lenho da existência
No dolorido ombro alheio,
Embora o teu sangre e doa.


Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’

MARÇO



Que etéreo veneno entorpecente
De sonhos infinitos e tranqüilos
Trazes contigo, límpido março azul
Das transparentes distâncias!

Helena Kolody
In ‘Infinita Luz’

SENSIBILIDADE



Meu coração,
Um quarto de espelhos,
Reflete e multiplica,
Infinitamente,
Uma impressão.
Eco dos longos corredores desertos,
Repete e amplifica,
Misteriosamente,
Uma palavra.
Frasco de Perfume Raro,
Guardou,
Para sempre,
Um leve aroma da essência que encerrou.

Helena Kolody 
In:"Paisagem Interior"


ATAVISMO




Quando estou triste, e só, e pensativa assim,
É a alma dos ancestrais que sofre e chora em mim.
É a angústia secular duma raça oprimida
Que vem da profundeza e turva a minha vida.

Certo, guardo latente e difusa em meu ser,
A lembrança remota e má dos dias amargos
Que eles viveram sem a ansiada liberdade.
E eu que amo tanto, tanto, os horizontes largos,
Lamento não ser águia ou condor, para voar
Até onde a força da asa alcance a me levar,
Na conquista do império azul da imensidade.
Oh! Quantas vezes eu, humilde e pequenina
Ante a extensão agreste e verde da campina,
Não sei dizer por que, deslumbrada, senti
Saudade singular da estepe que não vi!

Pois até o marulhar misterioso e sombrio
Da água escura com a imponência dum rio,
Lembra, sem querer, numa impressão falaz,
O soturno Dnipró cantado por Tarás ...

Por isso é que eu surpreendo, em alta intensidade,
Acordada em meu sangue, a tara da saudade.


Helena Kolody
In ‘Luz Infinita’

TRÍPTICO



I
Sempre me seguiu em segredo,
paralela à vida,
sombra de meu gesto,
rastro de meus passos.

Quando me cingir,
dormirei em seu regaço materno
o grande sonho sem sonhos.

II
Fascina-me o sol de Teu reino,
o mistério do outro lado.

Temo, porém, as sombras do vale.
Ampara-me, Pai,
na hora de passar.

III
Antes de transpor o horizonte,
percebo, enfim,
que a vida sempre foi radiosa.
A tristeza
não estava na vida.
Morava em mim.


Helena Kolody
in ‘Viagem no Espelho’