terça-feira, 31 de julho de 2012

DA PERFEIÇÃO DA VIDA



Por que prender a vida em conceitos e normas?
O Belo e o Feio... o Bom e o Mau... Dor e Prazer...
Tudo, afinal, são formas
E não degraus do Ser!

Mario Quintana
In: Espelho Mágico

segunda-feira, 30 de julho de 2012

NUMA VELHA IGREJA



Os que nestas lajes se ajoelharam
neste mesmo silencio adormecidos
estão: que neste chão foi que enterraram
seus ossos e seus fatos já puídos.

Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Só a noite é que amanhece

domingo, 29 de julho de 2012

ISABEL MEYRELLES



Deixaste que as gaivotas
me mostrassem
as luzes afogadas da cidade
e o secreto jardim
Agora posso partir

Isabel Meyrelles
Palavras noturnas e outros poemas

NÓS



Fomos duas árvores castas.
Não misturamos as raízes.
Apenas enlaçamos
os ramos
e sonhamos juntos.

Helena kolody,
in Viagem no ESpelho

QUE SABEM?




Que sabem do sol
os morcegos e corujas?
São filhos da noite.

Helena Kolody,
in Viagem no Espelho

sexta-feira, 27 de julho de 2012

ÁRVORE ADENTRO



Cresceu em minha fronte uma árvore.
Cresceu para dentro.
Suas raízes são veias,
nervos suas ramas,
Sua confusa folhagem pensamentos.
Teus olhares a acendem
e seus frutos de sombras
são laranjas de sangue,
são granadas de luz.
Amanhece
na noite do corpo.
Ali dentro, em minha fronte,
a árvore fala.
Aproxima-te. Ouves?



Octávio Paz
(Trad. Antônio Moura)

quinta-feira, 26 de julho de 2012

ONESTALDO DE PENNAFORT


Soa o silêncio e apagam-se os ruídos.
Só de uma rosa o aroma, de repente,
na sombra, como em cítara dolente,
dedilha o dédalo dos dias idos.

Onestaldo de Pennafort,
in Poesia

quarta-feira, 25 de julho de 2012

AQUI TERMINA O CAMINHO



Os sinos cantando, as sombras, todas se diluindo
dentro da tarde. Dentro da tarde, o teu grave pensamento de exílio.
Por que ainda esperas? Aqui termina o caminho,
aqui morre a voz, e não há mais eco nem nada.

Por que não esquecer, agora, as imagens que tanto nos perturbaram
e que inutilmente nos conduziram
para nos deixar, de súbito, na primeira esquina?
Essa voz que vem, não sei de onde,
esses olhos que olham, não sei o quê,
esses braços que se estendem, não sei pra onde...

Debalde esperarás que o eco de teus passos acorde os espaços que já não tem voz.

As almas já desertaram daqui.
E nenhum milagre de espera,
nenhum.


Emilio Moura
Permanência da poesia


sábado, 21 de julho de 2012

APRESENTAÇÃO



AQUI ESTÁ MINHA VIDA – esta areia tão clara
Com desenhos de andar dedicados ao vento.

Aqui está minha voz – esta concha vazia,
Sombra de som curtindo o seu próprio lamento.

Aqui está minha dor – este coral quebrado,
Sobrevivendo ao seu patético momento.

Aqui está minha herança – este mar solitário,
Que de um lado era amor e, de outro, esquecimento.


Cecília Meireles
In Retrato Natural

terça-feira, 17 de julho de 2012

EU TE ESPERO



Eu sempre te esperei.
Eu sempre te esperei em uma nuvem de neve
tão diáfana e sutil, tão vaporosa e leve
e, num halo de luz, vinda de onde não sei,
Eu sempre te esperei.
E eu sei que tu virás.
E eu sei que tu virás num sonho alucinado,
na brancura de paz de um silêncio ondulado
e, suave como um luar de finos tafetás,
eu sei que tu virás.
E nem sei quando vens.
E nem sei quando vens. O tempo é um hiato.
Só o amor é verdade, e tudo o mais, abstrato.
Só o amor é que encerra o supremo dos bens,
e nem sei quando vens.
Mas te espero feliz.
Mas te espero feliz e entre anseios te aguardo.
Hás de chegar um dia e nessa espera eu ardo.
Sempre, por toda a vida (é minha alma que o diz)
Te esperarei feliz.


Gilberto Mendonça Teles,
in HORA ABERTA - poemas reunidos

terça-feira, 10 de julho de 2012

CANTIGA



"Ai cigana, ciganinha,
ciganinha,meu amor."
Quando escutei essa cantiga
era hora do almoço, há muitos anos.
A voz da mulher cantando vinha de uma cozinha,
ai ciganinha, a voz de bambu rachado
continua tinindo, esganiçada,linda,
viaja pra dentro de mim, vai polindo o cristal,
canta mais, canta que eu acho minha mãe,
meu vestido estampado, meu pai tirando bóia da panela,
canta que eu acho minha vida.

Adélia Prado
In Bagagem

sexta-feira, 6 de julho de 2012

DANÇA



A menina dança sozinha
por um momento
A menina dança sozinha
com o vento, com o ar, com
o sonho de olhos imensos...

A forma grácil de suas pernas
ele é que as plasma, o seu par
de ar,
de vento,
o seu par fantasma...

Menina de olhos imensos,
tu, agora, paras,
mas a mão ainda erguida
segura ainda no ar
o hástil invisível
deste poema!

Mario Quintana