domingo, 26 de janeiro de 2014

SENHOR LIBERTAI-NOS




«Senhor libertai-nos do jogo perigoso da transparência
No fundo do mar da nossa alma não há corais nem búzios
Mas sufocado sonho
E não sabemos bem que coisa são os sonhos
Condutores silenciosos canto surdo
Que um dia subitamente emergem
No grande pátio liso dos desastres»


Sophia de Mello Breyner Andresen
in: Geografia 1967

CITAÇÃO



"Se o tempo no teu rosto te cobrisse de rugas,
se tivesse a dura e adocicada comunhão com as coisas,
talvez sim tu serias mais bela porque o rosto adquire
a refulgência e dor e maravilha e matéria de tudo o que
te rodeia te penetra, e ao invés de gastares teu ouro
no apagar das linhas finas e dos sulcos, tu te tocarias
amante, mansa, sabendo que o vestígio de todas as
solidões se fez presença no teu rosto, que o sofrido
da água é cicatriz agora ao redor da tua boca, que
tomaste para tua fronte a linha funda da pedra."

Hilda Hilst,
in Tu não te moves de Ti

ADVERTÊNCIA



É meio-dia em minha vida.
Um mensageiro inesperado
Vem prevenir que apresse a lida,
Como se fosse anoitecer.

Vento da noite, ainda é cedo!
... e nem lavrei a terra agreste.


Helena Kolody
in A Sombra no Rio, 1951)




domingo, 19 de janeiro de 2014

NA ILHA POR VEZES HABITADA




Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida.
Isso nos baste.

José Saramago,

in    Provavelmente Alegria

domingo, 5 de janeiro de 2014

PAULO FREIRE



"Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo.
Todos nós sabemos alguma coisa.
Todos nós ignoramos alguma coisa.
Por isso aprendemos sempre".

Paulo Freire

ÁLVARO DE CAMPOS




"Não: devagar.
Devagar, porque
não sei
Onde quero ir.
Há entre mim e
os meus passos
Uma divergência
instintiva.
Há entre quem
sou e estou
uma diferença
de verbo
Que corresponde
à realidade."

Álvaro de Campos
(Heterónimo de Fernando Pessoa
em Ficções de Interlúdio)

MOMENTO ÚNICO




Agora
Meu momento único
(fundamental!)
Um iluminar interior,
um instante de discernimento
me exige uma opção:
ou rompo a terra dura
e realizo meus anseios vitais
(engasgados no coração)
ou tombo definitivamente na avalanche do não ser ! . . .

Edival Perrini






HERMANN HESSE



"Cada época, cada cultura, cada tradição tem o seu tom.
Tem as suas doçuras e as atrocidades que lhe convêm.
Aceita certos sofrimentos como naturais, acomoda-se
pacientemente a certos males. A vida humana só se torna
num verdadeiro sofrimento, num verdadeiro inferno
quando se cruzam duas épocas, duas culturas,
duas religiões."

Herman Hesse,
in ‘O Lobo da Estepe’

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

ANA JÁCOMO




Depois de tantas buscas, encontros, desencontros,
acho que a minha mais sincera intenção é me sentir
confortável, o máximo que eu puder, estando na minha
própria pele. É me sentir confortável, mesmo acessando,
 vez ou outra, lugares da memória que eu adoraria
inacessíveis, tristezas que não cicatrizaram, padrões
que eu ainda não soube transformar, embora continue
me empenhando para conseguir.
É me sentir confortável, mesmo sentindo uma saudade
imensa de uma pátria, aparentemente utópica, onde
os seus cidadãos tenham ternura, respeito e bondade,
suficientes, para ajudar uns aos outros na tecelagem
da paz e no desenho do caminho.

Ana Jácomo