quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Martha Medeiros




"Pois, diante desse imenso ponto de interrogação
 que é o futuro de todos nós, reformulei minhas
 crenças: estou me dando o direito de não pensar
 tanto, de me cobrar menos ainda, e deixar para
 compreender depois. Desisti de atracar o barco
 e resolvi aproveitar a paisagem."


Martha Medeiros


terça-feira, 20 de dezembro de 2016

NATAL DE 1971




Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm?
Dos que não são cristãos?
Ou de quem traz às costas
as cinzas de milhões?
Natal de paz agora
nesta terra de sangue?
Natal de liberdade
num mundo de oprimidos?
Natal de uma justiça
roubada sempre a todos?
Natal de ser-se igual
em ser-se concebido,
em de um ventre nascer-se,
em por de amor sofrer-se,
em de morte morrer-se,
e de ser-se esquecido?
Natal de caridade,
quando a fome ainda mata?
Natal de qual esperança
num mundo todo bombas?
Natal de honesta fé,
com gente que é traição,
vil ódio, mesquinhez,
e até Natal de amor?
Natal de quê? De quem?
Daqueles que o não têm,
ou dos que olhando ao longe
sonham de humana vida
um mundo que não há?
Ou dos que se torturam
e torturados são
na crença de que os homens
devem estender-se a mão?

Novembro 71
Jorge de Sena, "Exorcismos",1972

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

EXCERTO LITERÁRIO





Talvez o tempo, por si só, explique a cada um
 de nós o que é necessário para a felicidade.
 Talvez a felicidade seja sempre outra coisa
 que em cada idade se revela para que nos 
esforcemos de novo, continuamente. 
Há um amor guardado para cada fim. No limite,
 já não podemos adiá-lo. Temos de amar sem 
olhar a quem até que, olhando, o perfeito 
desconhecido nos seja familiar. Até que se
 invente uma família, tão pura e fundamental 
quanto outra qualquer. A felicidade, afinal,
 é possível, embora se esconda atrás de
 um mundo de tristezas. Mas nenhuma tristeza
 nos deve vencer. O destino de cada um é só
 este: acreditar, mesmo quando ninguém mais
 acredite.

Valter Hugo Mãe 
em “O Filho de Mil Homens”

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

EXCERTO




"Aceita,
 acolhe a minúscula astronomia de um jardim: 
os insectos com as suas múltiplas facetas 
e as delicadas antenas com que se orientam.
...
 Fascinantes, 
meticulosos ...

Uma fábula adormece ao sol das folhas: 
o jardim é um estremecimento."

António Ramos Rosa,
in,  Antologia Poética

EXCERTO LITERÁRIO




"Nós somos feitos de tempo; somos amassados da argila 
do tempo; somos feitos de idades, de estações, de horas,
de dias, somos feitos de cronometrias, isto é,
de medições de tempo, visíveis e invisíveis.
De facto, tudo o que é humano é feito de tempo; somos 
um reservatório de tempo; lençóis de tempo que se vão
acumulando. Para dizer uma palavra - somos duração...

José Tolentino Mendonça,
in Nenhum Caminho será Longo

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

EXCERTO LITERÁRIO



" Só  tardiamente descobri  a  poesia ,
 depois  de haver virado os 40 .
 Que  pena ! Quanto  tempo perdido ! 
A poesia  é  uma  das  minhas  maiores
  fontes   de alegria e sabedoria .
 Como  disse  Bachelard , 
" Os  poetas  nos  dão   uma  grande 
 alegria  de palavras ..." 
Aí  eu lhe  pergunto :  Você  lê
 poesia ? Se não lê , trate  de  ler . 
  (...)  

Leia poesia para que seus olhos sejam
 abertos . Leia poesia  para ficar
 tranquilo .
 Leia  poesia para aprender a ouvir ."

     Rubem Alves , 
in " Quarto de badulaques "  

domingo, 28 de agosto de 2016

EXCERTO LITERÁRIO




" É  inutil encurtar  caminho  e querer
 começar já sabendo que  a voz  diz  pouco ,
 já começando  por ser despessoal . Pois 
 existe  a  trajetória ,  e  a trajetória
 não é apenas um modo de ir . A trajetória
  somos  nós  mesmos . Em  matéria de viver ,
 nunca  se pode chegar  antes ."    

  Clarice  Lispector ,
 in " A paixão  segundo G.H."

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

EXCERTO LITERÁRIO



Arte Claudia Tremblay

Mais tarde eu saberia que certas experiências
 se partilham - até mesmo sem palavras – 
só com gente da mesma raça. O que não
 significa nem cor, nem formato de olho, 
nem tipo de cabelo,
 mas o indefinível parentesco da alma.

Lya Luft,
in Mar de Dentro



sexta-feira, 19 de agosto de 2016

EXCERTO LITERÁRIO



" As pessoas suportam tudo , as 
pessoas às vezes procuram exatamente
o que será capaz de doer ainda mais
fundo , o verso justo , a música perfeita ,
o filme exato , punhaladas revirando um
talho quase fechado , cada palavra ,
cada acorde , cada cena ,até a dor
esgotar-se autofágica , consumida
em si mesma , transformada em outra 
coisa que não saberia dizer qual era ."


Caio Fernando Abreu
in , " Triângulo das Águas "

NASCER




Nascer
outra e outra vez
indefinidamente
como a planta sempre nascendo
da primeira semente;
pensar o dia bom
até criar a claridade
e nela descobrir
a primeira sílaba
da primeira canção.

Carlos Drummond de Andrade
In: Poesia Errante - 1988





PARA ONDE VOU, EU SEI...




" Para onde vou , eu sei.
Não sei por onde vou .
Ninguém sabe .
Feliz que seja assim
a estrada é a surpresa ,
a viagem é o imprevisto e o improviso
e os pés e o coração criam o caminho ."

Daniel Lima ,
in " Poemas "


segunda-feira, 25 de julho de 2016

CITAÇÃO





"Se ao longo do caminho houver uma campina em flor... 
já valeu a pena a passagem."

Walter Grando

terça-feira, 5 de abril de 2016

EXCERTO


Arte Josephine Wall

"Benditos os que conseguem se deixar em paz. 
Os que não se cobram por não terem cumprido 
suas resoluções, que não se culpam por terem
falhado, não se torturam por terem sido
contraditórios, não se punem por não terem 
sido perfeitos. 
Apenas fazem o melhor que podem. 
Se é para ser mestre em alguma coisa, então
que sejamos mestres em nos libertar da
patrulha do pensamento. 
De querer se adequar à sociedade e ao 
mesmo tempo ser livre.'' 

Martha Medeiros 

sábado, 12 de março de 2016

EXCERTO




"Querer fugir ao vazio e à angústia
 provocada pelo sentimento de ser 
livre e de ter a obrigação de tomar
 decisões, como o que fazer de si 
mesmo e do mundo ao redor - sobretudo 
se este estiver enfrentando desafios
 e dramas -, é o que suscita essa
 necessidade de distração, motor
 da civilização em que vivemos."


Mario Vargas Llosa,
 in “A Civilização do Espetáculo, 2012”



terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

MADURO PARA O CANTO




Maduro para o canto
vertes, cântaro,
a água pura
e suas sete cores
unindo lago e lago.
Barco em flor
rio correndo da prece
promessa em silêncio
da messe.

Sem pressa
o agapanto floresce.

Dora Ferreira da Silva
de ANDANÇAS 1948-1970.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

EXCERTO LITERÁRIO




"Quando morremos? Na verdade, morremos todos os dias.
Morte são também nossas decepções, nossos projetos falidos,
nossas ideias abortadas. Morte é tudo o que nega a vida.
A morte definitiva, a que encerra todos os atos, a que nos
apresenta a vida concluída, dessa não podemos tratar porque
ela nos excede. Restam-nos os insucessos que a anunciam,
neles acenam os signos do que não nos é dado alcançar.
Esperamos e conjeturamos. Como poderíamos, de outro modo,
elevar-nos acima da solidez dos corpos que nos cercam,
assinalando-lhes a precariedade?"

(SCHÜLER)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

EXCERTO LITERÁRIO



Uma árvore em flor fica despida e despojada
de suas folhas no outono. 
A beleza transforma-se em feiúra, 
a juventude transforma-se em velhice, 
e os erros em virtudes.
As coisas não permanecem sempre as mesmas
e nada existe realmente, as aparências e
o vazio existem de forma simultânea.

Dalai Lama , in
"O livro de Dias"













EXCERTO LITERÁRIO



Descobri a doçura de ter atrás de mim
um longo passado.Não tenho o tempo de
me narrar, mas às vezes, de improviso,
eu o vejo em transparência ao fundo do
momento presente:ele lhe dá sua cor,
sua luz,como as rochas e as areias se
refletem na cintilação do mar.
Antigamente, eu me embalava com projetos,
com promessas.Agora, a sombra dos dias
mortos aveluda-me emoções e prazeres.

Simone de Beauvoir
in “A mulher desiludida”