quarta-feira, 31 de julho de 2013

A VELHICE PEDE DESCULPAS



Tão velho estou como árvore no inverno, 
vulcão sufocado, pássaro sonolento. 
Tão velho estou, de pálpebras baixas, 
acostumado apenas ao som das músicas, 
à forma das letras. 

Fere-me a luz das lâmpadas, o grito frenético 
dos provisórios dias do mundo: 
Mas há um sol eterno, eterno e brando 
e uma voz que não me canso, muito longe, de ouvir. 

Desculpai-me esta face, que se fez resignada: 
já não é a minha, mas a do tempo, 
com seus muitos episódios. 

Desculpai-me não ser bem eu: 
mas um fantasma de tudo. 
Recebereis em mim muitos mil anos, é certo, 
com suas sombras, porém, suas intermináveis sombras. 

Desculpai-me viver ainda: 
que os destroços, mesmo os da maior glória, 
são na verdade só destroços, destroços.


Cecília Meireles,
in "Poemas"

terça-feira, 30 de julho de 2013

OSCAR WILDE



“Adoro as coisas simples.
Elas são o último refúgio
de um espírito complexo.”

Oscar Wilde

domingo, 28 de julho de 2013

CONGRESSO INTERNACIONAL DO MEDO



Provisoriamente não cantaremos o amor,
que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.
Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,
não cantaremos o ódio, porque este não existe,
existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,
o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,
o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,
cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,
cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte.
Depois morreremos de medo
e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas


Carlos Drummond de Andrade,
in Poesia completa e prosa

domingo, 21 de julho de 2013

SER E NÃO SER



Para algo existir mesmo
um deus, um bicho,, um universo, um anjo...
-é preciso que alguém tenha consciência dele.
Ou simplesmente que o tenha inventado.

Mario Quintana,
in Caderno H

domingo, 14 de julho de 2013

EMERGENCIA



Quem faz um poema abre uma janela.
Respira, tu que estás numa cela abafada,
esse ar que entra por ela.
Por isso é que os poemas têm ritmo
- para que possas profundamente respirar.
Quem faz um poema salva um afogado.

Mário Quintana
in 'Apontamentos de história sobrenatural'

sábado, 13 de julho de 2013

TUA VIDA



levo tua vida
entre meus guardados
como se leva uma folha seca
entre as páginas de um livro
como se leva um rio
entre as linhas do destino
como se leva com cuidado
um viajante clandestino

levo tua vida
como um sopro
uma fruta
uma estrada.

Roseana Murray
In Essencial

sexta-feira, 12 de julho de 2013

JOSÉ SARAMAGO



“E ouvia chorar, um som quase inaudível, como só pode ser o de umas
lágrimas que vão deslizando lentamente até às comissuras da boca e
aí se somem para recomeçarem o ciclo eterno das inexplicáveis
dores e alegrias humanas.”

— José Saramago,
“Ensaio sobre a cegueira”.

quarta-feira, 10 de julho de 2013

METAMORFOSES DA CASA




Ergue-se aérea pedra a pedra
a casa que só tenho no poema.

A casa dorme, sonha no vento
a delícia súbita de ser mastro.

Como estremece um torso delicado,
assim a casa, assim um barco.

Uma gaivota passa e outra e outra,
a casa não resiste: também voa.

Ah, um dia a casa será bosque,
à sua sombra encontrarei a fonte
onde um rumor de água é só silêncio.


Eugénio de Andrade

sábado, 6 de julho de 2013

CITAÇÃO




"Só se pode viver perto de outro,
e conhecer outra pessoa, sem perigo de ódio,
se a gente tem amor. Qualquer amor já é um
pouquinho de saúde, um descanso na loucura."

Guimarães Rosa

quarta-feira, 3 de julho de 2013

HÁ CIDADES ACESAS NA DISTÂNCIA



Há cidades acesas na distância,
Magnéticas e fundas como luas,
Descampados em flor e negras ruas
Cheias de exaltação e ressonância.

Há cidades cujo lume
Destrói a insegurança dos meus passos,
E o anjo do real abre os seus braços
Em nardos que me matam de perfume.

E eu tenho de partir para saber
Quem sou, para saber qual é o nome
Do profundo existir que me consome
Neste país de névoa e de não ser.


SOPHIA DE MELLO BREYNER ANDRESEN, 
in POESIA

terça-feira, 2 de julho de 2013

CITAÇÃO



"Esses dias cinzas não os passaremos em branco, 
mas em vermelho, amarelo, laranja, verde, nas
tardes choveremos lilás."

Chandal Nasser