sábado, 31 de janeiro de 2015

ESTOU SEMPRE NOS LIMIARES




Estou sempre nos limiares:
sou sempre esta pausa antes
do início de uma canção,
sou um momento de espera,
quase um fim de solidão.

Sou margem de caminho para a morte,
gesto que pressente atrás do véu:
promessa de chuvas sob o céu,
e vôo que antes de partir
repousa...


- Lya Luft, 
em "Mulher no palco", 1984.




sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

EXCERTO LITERÁRIO




"Tem horas em que, de repente, o mundo vira pequenininho.
Mas noutro de repente ele se torna demais de grande outra vez.
A gente deve de esperar o terceiro pensamento."


Guimarães Rosa 
in Primeiras Estórias.



quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

GRAMÁTICA DA FELICIDADE





"Vivemos conjugando o tempo passado (saudade, para os românticos)
e o tempo futuro (esperança para os idealistas). Uma gangorra,
como vês, cheia de altos e baixos — uma gangorra emocional.
Isso acaba fundindo a cuca de poetas e sábios e maluquecendo
de vez o homo sapiens. Mais felizes os animais, que, na sua
gramática imediata, apenas lhes sobra um tempo: o presente
do indicativo. E nem dá tempo para suspiros…"

Mário Quintana 
- A vaca e o hipogrifo, p. 65

quarta-feira, 28 de janeiro de 2015

EXCERTO LITERÁRIO




" É inútil encurtar caminho e querer começar já sabendo
que a voz diz pouco , já começando por ser despessoal .
Pois existe a trajetória , e a trajetória não é apenas
um modo de ir . A trajetória somos nós mesmos .
Em matéria de viver , nunca se pode chegar antes ."

Clarice Lispector , 
in " A paixão segundo G.H."

EXCERTO LITERÁRIO




[...]

Descalço venho dos confins da infância, 
E a minha infância ainda não morreu…

Pedro Homem de Mello



segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

'XXXV'





Aquele pássaro ronda de novo
a minha janela,
Há tempos que eu não o ouvia.
Seu canto dias já idos me lembra,
Algo como “eu era infeliz
Mas tinha junto de mim a alegria”.

Vai dormir, sonoro amigo,
Já é da noite
a quase sombra que nos fecha.
Vai e se possível
ao Sol de meus dias retorna
(Eu que nunca fui tão feliz
Te confesso:
Agora tenho um anjo triste
A minha volta .)

F.Campanella
Poema da série 'O EU Confesso'

domingo, 25 de janeiro de 2015

ESTOU CANSADO É CLARO...




Estou cansado, é claro,
Porque, a certa altura, a gente tem que estar cansado.
De que estou cansado, não sei:
De nada me serviria sabê-lo,
Pois o cansaço fica na mesma.
A ferida dói como dói
E não em função da causa que a produziu.
Sim, estou cansado,
E um pouco sorridente
De o cansaço ser só isto —
Uma vontade de sono no corpo,
Um desejo de não pensar na alma,
E por cima de tudo uma transparência lúcida
Do entendimento retrospectivo...



E a luxúria única de não ter já esperanças?
Sou inteligente: eis tudo.
Tenho visto muito e entendido muito o que tenho visto,
E há um certo prazer até no cansaço que isto me dá,
Que afinal a cabeça sempre serve para qualquer coisa.



24-6-1935
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)
in Poesias de Álvaro de Campos





quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

EXCERTO LITERÁRIO




" No circo da vida às vezes somos animais treinados ,
somos trapezistas , domadores e domados .
Conhecemos truques e ardis , muitas vezes executamos
os passos certos e os gestos quase perfeitos .
Mas viver é um salto sem rede ."

Lya Luft ,
in " Secreta mirada e outros poemas"


EXCERTO LITERÁRIO




"Por fora, já desistiu. Por dentro,
sempre descobre alguma desculpa
para recomeçar."

Fabrício Carpinejar









terça-feira, 13 de janeiro de 2015

EXCERTO LITERÁRIO




" Entre sótãos e porões segue o rio do meio .
Não interrompe seu curso quando dormimos ou
comemos , quando amamos ou nos frustamos ,
quando executamos projetos ou achamos que a nossa
força acabou .

Na margem , garças distraídas .
Inesperadamenre uma delas joga-se no que parece
o mergulho definitivo , mas voltará depois de
varar o escuro , bico apontado para um sol que
já não cega mais .

Uma torrente vara a nossa casa : demora-se no
cotidiano , dispara nas euforias , arrasta destroços
ou empurra esperanças , às vezes por gargantas
noturnas .

Mas há de emergir - com os ímpetos de um parto -
numa explosão de claridade . Isso , somos ."


Lya Luft ,
 in " O rio do meio "

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

CITAÇÃO



"Os homens vivem juntos,
 porém cada um morre sozinho
 e a morte é a suprema solidão."

- Miguel de Unamuno,
 em "O sentimento trágico da vida".


terça-feira, 6 de janeiro de 2015

CHAMA





Acender uma chama com cuidado
todas as noites
para que vele os sonhos
para que a alma não se apague
para que a poesia não escape
sombra sorrateira rente ao muros
arrumar todas as noites
as miragens ao pé da cama
como um jogo antigo
onde nas pedras vinham escritas
portas secretas.


- Roseana Murray 
In Poesia Essencial

A PAZ SEM VENCEDOR E SEM VENCIDOS




Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça.
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos

A paz sem vencedor e sem vencidos

Sophia de Mello Breyner Andresen, 
(1919-2004)


sábado, 3 de janeiro de 2015

XII




Olhar a realidade face a face!
viver! (mas como se a gente sonhasse...)

Onestaldo de Pennafort,
in Poesia



sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

JOGANDO COM O TEMPO






O presente ameaça
o futuro não chega
o passado não passa

o passado não passa
o futuro não chega
e o presente ameaça

o passado trespassa
o futuro não chega
o presente escorraça.

O tempo é trapaça?

tempo:
fogo-fátuo
na veia e na praça
floresta
onde o caçador é caça
labirinto
onde mais se perde
quanto mais se acha.


Affonso Romano de Sant'Anna
In Sísifo desce a montanha