sábado, 29 de junho de 2013

"QUERIAS QUE EU FALASSE DE 'POESIA'


 
Querias que eu falasse de "poesia" um pouco
mais... e desprezasse o quotidiano atroz...
querias... era ouvir o som da minha voz
e não um eco - apenas - deste mundo louco!
 
Mas que te dar, pobre criança, em troco
de tudo que esperavas, ai de nós:
é que eu sou oco... oco... oco...
como o Homem de Lata do "Mágico de Oz"!
 
Tu o lembras, bem sei... ah! o seu horror
imenso às lágrimas... Porque decerto se enferrujaria...
E tu... Como um lírio do pântano tu me querias,
como uma chave de ouro a te cobrir devagarinho,
um pássaro de luz... Mas, haverá maior poesia
do que este meu desesperar-me eterno da poesia?"
 
Mario Quintana
em: Antologia Poética 

quinta-feira, 27 de junho de 2013

ESPERANÇA



Canto
Mas o meu canto é triste.
Não sou capaz de nenhum outro, agora.
Em cada verso chora
Uma ilusão,
Tolhida na amplidão
Que lhe sonhei...
Felizmente que sei
Cantar sem pressa.
Que sei recomeçar...
Que sei que há uma promessa
No ato de cantar...

Miguel Torga
In: Antologia Poética






quarta-feira, 26 de junho de 2013

ESTE QUARTO...



Este quarto de enfermo, tão deserto
de tudo, pois nem livros eu já leio
e a própria vida eu a deixei no meio
como um romance que ficasse aberto...
 
que me importa esse quarto, em que desperto
como se despertasse em quarto alheio?
Eu olho é o céu! imensamente perto,
o céu que me descansa como um seio.
 
Pois o céu é que está perto, sim,
tão perto e tão amigo que parece
um grande olhar azul pousado em mim.
 
A morte deveria ser assim:
um céu que pouco a pouco anoitecesse
e a gente nem soubesse que era o fim...

 
Mario Quintana ,
in Apontamentos de História Sobrenatural

quinta-feira, 20 de junho de 2013

NÃO FALO A IMPORTÂNCIA DO BRILHO



Nem sempre as janelas oferecem às casas
todas as possibilidades da luz.
Não falo da importância do brilho coado
nas traves, ou do vento espreitando as frestas.
Refiro a transparência consentida às aves
na pressa das cidades onde o voo se faz fuga.

Graça Pires
De Uma vara de medir o sol

terça-feira, 18 de junho de 2013

Os SILÊNCIOS


Os SILÊNCIOS

Não é possível amizade quando dois silêncios não se combinam.

_______Mario Quintana - Porta Giratória - 1988

segunda-feira, 17 de junho de 2013

LÊDO IVO



Sinto saudades do que nunca fui,
do que deixei de ser, do que sonhei
e se escondeu de mim atrás da porta.

Lêdo Ivo

domingo, 16 de junho de 2013

FERNANDO PESSOA



Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma
Mas que são dolorosas mais que as outras.
Há angústias sonhadas mais reais
Que as que a vida nos traz, há sensações
Sentidas só com imaginá-las
Que são mais nossas do que a própria vida.
Há tanta cousa que, sem existir,
Existe, existe demoradamente,
E demoradamente é nossa e nós…
Por sobre o verde turvo do amplo rio
Os circunflexos brancos das gaivotas…
Por sobre a alma o adejar inútil
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo.

Dá-me mais vinho, porque a vida é nada.

Fernando Pessoa

sábado, 15 de junho de 2013

AMIGO



No rumo certo do vento
amigo é nau de se chegar
em lugar azul
amigo é esquina
onde o tempo pára
e a terra não gira
antes paira em doçura
contínua
oceano tramando sal
mel inventando fruta
amigo é estrela sempre
no rumo certo do vento
com todas as metáforas
luzes imagens
que sua condição de estrela
contém.

Roseana Murray
In Lições de Astronomia

quarta-feira, 12 de junho de 2013

O AMOR



 
O amor é frágil
O amor é humilde
O amor é claro
O amor é simples
O amor se vai
Foge e se perde
Subitamente
De repente
O amor é insólito
E inseguro
Surge e se esvai
É cinza
É ouro
É ardência, é fogo
E é nada 
 
Augusto Frederico Schmidt
In Um século de poesia

domingo, 9 de junho de 2013

ALBANO MARTINS



“Na cartilha maternal das borboletas
 aprendeste a voar, e ali escreveste,
 na ardósia do vento, os primeiros
 poemas.”


Albano Martins

terça-feira, 4 de junho de 2013

MACHADO DE ASSIS



"...eu, Brás Cubas, descobri uma lei sublime, 
a lei da equivalência das janelas, e estabeleci 
que o modo de compensar uma janela fechada é 
abrir outra, a fim de que a moral possa arejar
continuamente a consciência."

Machado de Assis ,
in Memórias Póstumas de Brás Cubas

domingo, 2 de junho de 2013

À BEIRA DE ÁGUA






Estive sempre sentado nesta pedra
escutando, por assim dizer, o silêncio.
Ou no lago cair um fiozinho de água.
O lago é o tanque daquela idade
em que não tinha o coração
magoado. (Porque o amor, perdoa dizê-lo,
dói tanto! Todo o amor. Até o nosso,
tão feito de privação.) Estou onde
sempre estive: à beira de ser água.
Envelhecendo no rumor da bica
por onde corre apenas o silêncio.

EUGéNIO DE ANDRADE
In Os Sulcos da Sede