terça-feira, 31 de janeiro de 2017
sábado, 28 de janeiro de 2017
EXCERTO LITERÁRIO
Hoje acordei com a dor das árvores;
estou de pé e o meu tronco sustém
o vazio e a solidão dos ramos
côncavos de espera,
impacientes de ternura.
Quero o bracejar dos pássaros,
ser refúgio dos ventos que me procuram,
tornar-me na folhagem que te abriga,
ser o ninho na tua noite, aberto
com a inquietação e a serenidade
dos rumores das aves mais tardias.
Não, desta vez não vou com os ventos...
Lília Tavares
in, Parto com os ventos
quarta-feira, 25 de janeiro de 2017
DO AZUL, NUM SONETO
Verificar o azul nem sempre é puro.
Melhor será revê-lo entre as ramadas
e os altos frutos de um pomar escuro
- azul de tênues bocas desoladas.
Melhor será sonhá-lo em madrugadas,
fresco, inconstante azul sempre imaturo,
azul de claridades sufocadas
latejando nas pedras – nascituro.
Não este azul, mas outro e dolorido,
evanescente azul que na orvalhada
ficou, pétala ingênua, torturada.
Recupero-o, sem ter, e ei-lo perdido,
azul de voz, de sombra envenenada,
que em nós se esvai sem nunca ter vivido.
Alphonsus de Guimaraens Filho
In: Antologia Poética
domingo, 22 de janeiro de 2017
SÓ NÓS
"Quantas vezes tentaram adivinhar
o que sentíamos,e erraram.
Julgaram nossas ações, e erraram.
Tiveram certezas sobre nossos
propósitos, erraram.
O que somos de verdade e queremos
de fato,só nós sabemos."
Só nós.
- Sós-
Martha Medeiros
quarta-feira, 18 de janeiro de 2017
EXCERTO LITERÁRIO
(...) Meu Deus, a pouco e pouco vamo-nos
tornando sotãos onde o passado amarelece,
a pouco e pouco os sotãos invadem a casa
que somos, principiamos a mover-nos entre
sombras truncadas de gente, emoções,
memórias. Lentamente tiram-nos tudo, o
presente afunila-se, o futuro uma parede.
E nós, apesar de adultos, tão crianças,
assustados, perdidos, juntando pedaços
dispersos para nos reconstruirmos de
novo, continuarmos. Na direcção de quê?
Para onde? Quem nos espera ainda? (...)
António Lobo Antunes,
in Livro de Crónicas
domingo, 8 de janeiro de 2017
EXCERTO LITERÁRIO
“Dai-me a paz dos estábulos, pedi a Deus,
das coisas realizadas, das colheitas recolhidas.
Deixai-me ser por ter terminado de me realizar.
Estou cansado das lutas do meu coração.
Estou velho demais para recomeçar todos os meus
ramos. Fui perdendo um a um os amigos e os inimigos.
E a luz do meu caminho é hoje triste e fraca.
Me afastei, voltei, olhei: fui encontrando os
homens em volta do Bezerro de Ouro não
interessados, porém estúpidos. E as crianças
que nascem hoje, me parecem mais
estrangeiras do que os bárbaros sem religião.
Levo comigo o peso dos tesouros inúteis
como uma música que nunca ninguém compreenderá.”
Antoine de Saint-Exupéry,
in Cidadela
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