sábado, 22 de novembro de 2014

AGRADECIMENTO




Devo muito
aos que não amo.

O alívio de aceitar
que sejam mais próximos de outrem.

A alegria de não ser eu
o lobo de suas ovelhas.

A paz que tenho com eles
e a liberdade com eles,
isso o amor não pode dar
nem consegue tirar

Não espero por eles
andando da janela à porta

Paciente
quase como um relógio de sol,
entendo o que o amor não entende,
perdoo
o que o amor nunca perdoaria

Do encontro à carta
não se passa uma eternidade,
mas apenas alguns dias ou semanas.

 As viagens com eles são sempre um sucesso,
os concertos assistidos,
as catedrais visitadas,
as paisagens claras.

E quando nos separam
sete colinas e rios
são colinas e rios
bem conhecidos dos mapas.

 É mérito deles
eu viver em três dimensões,
num espaço sem lírica e sem retórica,
comum horizonte real porque móvel.

Eles próprios não veem
quanto carregam nas mãos vazias.

 “Não lhes devo nada” –
diria o amor
sobre essa questão aberta.


Wislawa Szymborska 
In: Poemas, ed. Companhia das Letras.



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