quinta-feira, 31 de outubro de 2013

"VIVER NÃO É PRECISO"*



Melhor é tentar dormir...
Deixar de sentir tantas dores;
sonhar talvez com raras flores. 

Afiar o olfato, o tato, a visão:
Talvez, em sonho, abrir mão 
da ferrenha insana razão.

Um recanto, um carrinho
nem tão cheio, ladeira
acima, me torna imprestável:

Eu, um homem que deveria 
agir sem tropeço ou penas;
só ter e abraçar um carinho!

O quê a seguir virá?
A rabugência ou a indecente
perda da cara, nobre paciência?

A lamúria cansa. O excesso
de força e razão imbeciliza.
A demência não me alcança
- mas o trôpego passar avança.

Não sou 'normal'; nunca ser
pretendi. Mas um mínimo 
de anímica força preciso ter!

Exausto e só, (de)escrevo
- e desconfio do meu destino,
afazeres, cansaço e sorte:

A par dos anos restantes,
à espreita na esquina, os olhos
- que não temo - da morte:

Vivo e sobrevivo como nasci.
Sem sustos, medos passados;
com pés não mais descalços.

Caminho sem pressa. Movimento
a prosa: alpendre de versos áulicos! 
Alegre ou triste, só busco abraços.

À criança que trago no peito grito:
"Avante! Atrás, não só vem gente."
Há vida: reverso e maior advento.


*Jairo De Britto,
 em "Dunas de Marfim"




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